Na casa dos meus pais, esta data era comemorada de uma maneira discreta. Para mim, era ouvir música do Zeca Afonso durante a manhã, ver o discurso do Presidente da República e as comemorações na TV. Nada de especial, mas era um dia de orgulho. Orgulho pela liberdade que foi conseguida com as convicções do meu pai, pelo sofrimento do meu tio, por todas as histórias contadas na família do que era viver na altura da ditadura e do que se tinha conseguido após a revolução.
Photograph of an unknown man during the Depression, circa 1932 from Retronauts |
O meu orgulho era grande. Fizemos uma revolução sem violência (ou com pouca), um golpe de estado pacífico, a população evoluiu, o país passou por dificuldades mas prosperou.
Portugal era um país maravilhoso para viver.
Eu viajei muito, conheci o nosso país quase todo, fui à escola, tinha o ATL, ia à casa dos meus avós almoçar mais tarde, e viajava. Andava na secundária e participava em tudo o que podia, fui a viagens de estudo, tinha computador, walkman, uma aparelhagem toda xpto, usava All-stars, Levi's e Blusão Chevignon, e viajava. Fui para a universidade, privada porque não entrei na pública. Usava roupa de marca, sapatos de marca, passeava, ia a tascas, cafés e viagens de intercâmbio. Estudava e divertia-me muito. Podia ter-me divertido mais, mas impunha restrições a mim mesma por razões que não interessam e mesmo assim viajava. Comecei a trabalhar e nunca tive necessidades. Morava na casa dos meus pais, trabalhava horas maradas, mas ganhava o meu dinheiro. Isso permitia-me pagar o normal, os transportes, comida, e alguma roupa. Melhorei de trabalho. Comecei a trabalhar na área da beleza, da moda, no Chiado. Comecei a ganhar mais e a gastar mais. Voltei a comprar roupa de marca, sapatos de marca. Nunca tive necessidades, tudo o resto sempre foi assegurado pelos meus pais.
Conheci o T. Jantávamos fora, íamos ao cinema, ao teatro, e viajavamos.
1º aniversário de namoro - Egipto
2º ano - Aústria [Gstaad-Salzburgo]
Começámos a morar juntos. E eu arranjei um emprego no Hospital.
3º ano - Suécia [Estocolmo]
4º ano - Itália [Veneza]
Estava grávida de 3/4 meses da Pipoca. Foi a nossa última viagem.A partir daí, a realidade instalou-se. Começámos a pagar creche, casa, tudo o que os adultos fazem. Tivémos o Puto.
Deixámos de viajar. Era um luxo.
Aquilo que este 25 de Abril me trouxe foi tristeza. Os direitos e regalias que ganhámos há 39 anos não têm significado. A ditadura da democracia ganhou. Nós somos os sortudos. Temos dinheiro para o essencial. O que me angustia é não poder dar aos meus filhos nem metade do que tive. As experiências nos museus, teatros, viajar, novas culturas, poder pô-los na melhor escola, até conhecer o nosso País é um luxo.
E sei que sou uma das sortudas.
Mas desta vez, não vi as comemorações porque não havia o que comemorar. Não ouvi o Zeca a cantar porque estou triste por ver o meu país assim. Foi só mais um dia...
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